Tuesday, June 19, 2012

Fisiologia do caminho Poça, poça d’água, Água ali parada, Branca, espelho do céu, Excitou-se ao acordar o dia. Vibrou seus pequenos esfíncteres, Lágrimas de uma chuva Que ao cair, se esqueceu que caía. A poça, falsa pudica, ao ver que eu passava, Estendeu sua saia de espelho. As pequenas bocas ao serem cobertas, Deram gritinhos: Ai ai ai, Ui ui ui...

Wednesday, June 06, 2012

Te dou a mão, doce irmã, E te beijo a boca, Destruição. Sei que não me abraças apenas durante o sono, Que me guias em algumas decisões. Sentia tua ação pelos rastros, Mas jamais fui capaz de prevê-los Ou de cruzar o olhar enquanto passavas por mim, Antes de fazer-me teu trampolim. Hoje te beijo, irmã, a boca, Bebo do teu cálice e me torno teu altar.

Monday, April 25, 2011

Tenho pena porque não vou ficar mesmo
Mas algo meu quer se dar a você.
Isso faz com que me queira mais,
E que queira mais partir.
Eu sou uma comitiva,
Onde dou adeus e outros de mim
Me levam à força.

Tuesday, March 08, 2011

Ouvido possível

Amigo, eu adivinho.
Assim, de repente, é fácil.
Vejo onde estamos,
Uns nos outros.
Eu me amo em você,
Te amo em mim
Sem querer, amo quem sequer conheço.
Assim, de repente,
Nos vejo a todos numa transa
E sangramos juntos
As lágrimas de uma história contada
A ouvidos possíveis e impossíveis.
O segredo você me conte,
Fertilize-me universos.

Wednesday, February 16, 2011

O céu de terça

Poeta, pela noite eu caminhava.
Meus passos a mim se adiantavam
Caminhando, eu vinha lá de trás.

Poeta, o vinho é forte.
Onde estamos quando o copo é vazio
E as roupas vão ao chão?

Poeta, a morte.
A mesma coisa tem vários nomes,
O que habita os meus?

Thursday, January 20, 2011

tempo


olhar para
esta flor meu
querido é
ser testemunha
de que o desejo
se sangra
não se arremata
e só se espera
o tempo desamarrar
os trabalhos
quando seu corpo
estiver no meu
[...]

É doce seu beijo,
Me desnudo para recebê-lo.
Como é doce seu beijo
Quando deito na cama,
encabeçando os travesseiros.
É doce o beijo que nos transborda
para dentro.
A pele é uma fronteira mais pacífica
Quando seu beijo encontro
Em bocas imprevistas.

Tuesday, October 05, 2010

Excerto de um livro inventado

Vinha aflita pela rua com medo de perder alguma imagem. Não tinha confiança em sua imaginação para escrever. Na verdade, havia perdido a confiança, a pouca que tinha, a confiança na própria imaginação. Mentira. Usou poucas vezes a imaginação para criar textos, usando sempre as coisas que lhe aconteciam no dia-a-dia para compô-los. Havia perdido a confiança em seu cotidiano de lhe dar substrato para uma fuga para dentro da realidade. Escrever lhe permitia sentir a vida, não fazê-lo a mantinha a distância dos acontecimentos, e ainda que não deixassem de acontecer, ela não podia senti-los realmente, escapavam.

O ciborgue entrou na sala. O texto da curadoria, que era do próprio artista, relacionava liberdade e beleza. Casualidade e beleza. Brevidade e beleza. A exposição trazia diversos quadros feitos a partir do sangue dos retratados. Não soube dizer, não teve vontade de perguntar se a temperatura mais baixa nesta sala que nas demais se dava por conta da matéria empregada nas obras. Lembrou do sangue na bolsa de plástico, da cor que tinha, sempre mais escuro e negro do que se lembrava de ter imaginado quando criança. O vermelho do sangue da infância era saturado, mais próximo de um vermelho puro, e talvez fosse assim por ter ouvido da cor do sangue antes de ver o sangue.

A primeira tela era uma vagina desenhada, a segunda um pênis ereto, o que só veio a saber depois, quando voltava do longe para junto dela, pois havia lhe chamado a atenção de alguma forma antes. Antes de ser um pênis. A terceira não dava mostras de facilitar sua associação com o retrato de uma pessoa, ou então sua capacidade de associação estivesse limitada por sua pouca cultura sobre pintura, sobre representação ou sobre as pessoas. Depois da quarta tela, um sorriso encimado por uma ponta de nariz, começou a se sentir mal, uma náusea. Pensava no artista trabalhando sobre a tela. Teria ele usado luvas de látex? Algumas pareciam feitas por uma impressora.

As ruas do centro da cidade contavam com uma infinidade de coisas que o interessavam. O pouco espaço o interessava, a proximidade das construções em lados opostos das ruas e a vontade que seus topos tinham de se abraçar o interessava. As pessoas fumando nas saídas dos edifícios, é proibido fumar nas áreas internas. Existe um grande número de igrejas no centro, de um tempo que persiste, mas as melhores são as menores, aquelas que não chamam a atenção mais do que os restaurantes mal construídos em seu entorno. Ao caminhar, achou uma dessas. Achou porque não se planeja uma visita a uma dessas. Em seu interior, na nave principal, havia um cartaz de silêncio, a igreja vazia e várias vozes nada silenciosas vinham do interior das sacristias.

Pensou que ao escrever sobre o ciborgue, situaria nele a decisão de escrever quando adentrou a igreja. Ele se sentaria, olharia para o altar, pensaria em como o tamanho reduzido, a penumbra, a temperatura e a umidade o lembravam uma boceta. Ele pensaria ‘buceta’, não usaria nenhuma das duas palavras em seu texto, e sentiu pena dele. Sentiria náusea, lembraria do sangue. Sentiu tesão, vontade de se masturbar, pensou em como seria o pau visto na exposição, pensou em todos os paus que existem no mundo. Desenhou um para si, se viu banhada em sangue. Começou a se acariciar entre as pernas, sentou sobre a mão, se esfregou no assento da cadeira. Não voltaria a escrever naquele dia.