Wednesday, August 13, 2008

Narrativa comportamental para análise

Todos os dias caminhamos lado a lado com o obscuro. Aquela prática que nos é a mais preciosa irmã é a mesma que nos arrasta para as beiradas da boca do inferno. Ando pelas ruas distribuindo olhares que ao serem lançados começam a evanescer antes que atinjam o seu destino, como se o vento dissipasse o desejo que os fomentam, como se caíssem no chão como as bitucas de cigarro e papéis de banco. Despretenciosamente a maioria deles chega a pousar sobre novos pares de olhos, que muitas vezes são guarnecidos por belos rostos, belos corpos, mas que só realizam seu verdadeiro sentido quando promovem uma pequena revolução bizarra do sexo. Encontrar qualquer verdade maldita na alma das pessoas, tomá-la nos braços e materiazá-la em lama, muita lama, é o que faz a mim e a outras pessoas acordarem e saírem às ruas todos os dias.

Lembro-me de um certo pé de ameixa, galhos quase sem folhas, doente. Suas frutas eram pequenas, algumas morrendo antes mesmo de amadurecer e aquelas que chagavam a ficar amarelas, com aspecto falsamente túrgido, poderiam ser eventualmente comidas. O chão sobre o qual crescia a árvore retorcida com casca ressequida e sem lascas soltas, onde também caíam as frutas por ela rejeitadas sem um motivo aparente, pois sequer pesavam, não tinha grama, ou qualquer outro vegetal, e era fendido. Consumir o que nascia em meio às folhas só me seria possível num contexto bastante específico: eu deveria estar acompanhado. Sentir o sabor ácido e quase sem açúcar daquelas ameixas apenas seria possível se ao meu lado estivesse quem me ensinou a subir até lá em cima, quem nas primeiras vezes fiquei de baixo observando, me confundindo quanto ao meu objeto de desejo, se as ameixas ou seu períneo.

Sempre estou junto à janela. Tenho curiosidade pelo movimento nas ruas, mas algumas vezes o que me motiva a ficar ali é uma ânsia. Quero voltar ao fundo do quintal e subir naquela árvore novamente, meter as mãos de volta nas entranhas e me sentir um garoto outra vez, despossuído de capacidades. Quando piso na calçada, meus pés iniciam uma troca obscena e implacável com o concreto, que confere seus atributos à pele do meu corpo, e a reação subseqüente a este acontecimento é a divisão da minha consciência em duas. Por um lado, sinto-me forte e insensível ao imprevisto, e por outro espero e temo encontrar minha submissão ao que ignoro e é mais forte e terrível do que eu. Dedico-me diariamente a mutilar minha vergonha e meus limites no meu ofício de me desnudar em microssegundos diante do olhar dos outros, esperando ver-lhes maiores e a subir no pé de ameixa em troca.

Thursday, August 07, 2008

Fumaça Fria

Hoje sou uma curva,

Um encontro impossível,

Não há quem me encontre

No momento da morte.

Por isso saio às ruas,

Encontrar monges cruzados,

Putas e mendigos todos fora do lugar.

Confraternizo-me.

Meu novo amante me entristece

Quando o estou amando

E me trai, suja meu nome

Quando o abandono.

Deito-me em leitos ainda quentes

E os deixo completamente alvos e frios,

Pronto para retomar a leitura da tarde.